NATAL ROUBADO


Natal Roubado

Em jeito de dar notícias venho tilintar algumas letras que andam a querer sair daqui de dentro já há algum tempo…espoletou esta minha coragem de vir vos mostrar a fotografia real do que vai aqui por dentro: um texto escrito no WhatsApp no dia 15 de dezembro por uma mãe, muito querida, de uma pequena aluna artista a quem chamo Purpurina 🙂

Olá Vera, amanhã estarás no Casulo?

Sem resposta…

16 de dezembro:

Olá Vera! Estás no Casulo hoje a partir das 16h?

Sem resposta…

O fato: Esta mãe tentava contato por WhatsApp e por telefone porque tinha algo para me entregar: uma pequena prenda feita pela minha pequena Purpurina…

Elas foram incansáveis nesta missão/tentativa de me entregar tal ‘tesouro’…bolachinhas de vários sabores, vários feitios, feitos com certeza com amor e carinho enquanto falavam o quanto gostam de mim e me admiram, enquanto tagarelavam sobre as atividades que fazemos e tudo o mais que ainda temos para aprender no futuro (sim…esta é a Purpurina… falante, vibrante, feliz, proactiva e vivaz!)

A minha pequena Purpurina é dessas que fala o que vem no coração, aliás, ela é toda coração…

Dias depois reparei ligações do avô, outro incansável fornecedor de boa educação, amor e atenção, talvez também ele tenha tentado, em vão, entregar a encomenda…

No dia 25 de dezembro elas deixaram uma mensagem:

Um beijinho de boas festas para ti! Que possas aproveitar muito com a tua família! Queremos que saibas que foste uma das pessoas especiais que entrou na nossa vida em 2022. Gostamos muito de ti Verinha. 

:…)

É neste momento que não tenho mesmo nada além do que lágrimas gordas a caírem na cara…

E o pior…este não foi o único amor que deixei de receber neste dezembro estranho…este Natal foi-me LITERALMENTE roubado, de tantas formas que não teria palavras suficientes para as enumerar.

Voltando lá atrás, porque assim o Drº Gui me pede para fazer, sempre que estou no meio de um imbróglio psicológico, realmente não tive uma infância fácil, não gostava do Natal, a figura do Papai Noel não era uma figura propriamente simpática para mim, e explico: por mais que enfeitasse as cartas e as escrevesse com letras bem desenhadas, pintasse as bordas com mil cores, dissesse as palavras mais caras que conhecesse…as prendas nunca vinham – deixei de acreditar, muito cedo!

Num Natal na casa da avó, no Rio, enquanto os primos recebiam as suas prendas em caixas bem embrulhadas e grandes, com laços de fita, recebi uma caixa –pequena- o papel do embrulho era às riscas, azuis e vermelhas, lembro do meu pensamento de menina de sete anos, um desdenhar, meio triste, meio sem saber o que estava sentindo: “Hum….Nem são as cores do Natal…” …dentro da caixa um palhaço….verde…que meu primo Wagner fez questão de dizer: “Nem foi o Papai Noel! Eu vi a avó comprar!”

Palhaço mais palhaço…os dois… 🙂 o meu primo (que eu amo mesmo assim 😉 ) e o palhaço verde.

Natal tinha um gosto agridoce…mas o pior ainda estava por vir…

O que poderia ter sido as minhas pazes com o Natal transformou-se, afinal, no pior Natal de todos os tempos, um caso de violência doméstica…um trauma um desgaste emocional e psicológico de tal tamanho que perdi a noção da realidade e de mim mesma.

Senti-me desamparada, oprimida e sozinha. Aos 9 anos temos pouca consciência do que realmente se está a passar… pouco conseguimos compreender para nós próprios, quanto mais para expressar a alguém… isto torna a experiência solitária, e a digestão é bastante difícil…

Como consequência do trauma, me afastei do “mal” temendo reviver situações semelhantes, ou que me magoassem de alguma forma.

 Trauma perdoado, mas jamais esquecido…sem pormenores…esses ficam cá a morar comigo para sempre, não há borracha que apague.

A vida seguiu assim…Natal para uma Carioca, ateia ainda por cima, era praia, era só um feriado e comércio…um vovô que distribuía prendas para crianças ricas (e palhaços horrendos verdes para as outras), que bebe Coca Cola, que vem da Europa vestido com roupa de inverno vermelha -ainda por cima (não gosto da cor vermelha!) num calor dos infernos.

O dia 25 de dezembro de 2005 foi o último Natal que passei com a minha família, foi amargo, triste…estava a empacotar coisas para seguir um destino que escolhi, longe deles…

E por força deste amor maior no dia 25 de dezembro de 2005 🙂 lá estava eu no aeroporto, malas e caixas, família, tristeza, raízes sendo arrancadas…vinha eu, de vez, viver esta história de amor. Não foi fácil…não é fácil até hoje…são 17 anos sem passar dezembro com minha família, na minha terra, na minha praia, com aquele Papai Noel maluco vestido de inverno no calor de 40º.

Mas foi aqui que consegui fazer as pazes com o Natal…Descobri que Papai Noel se chamava na verdade Pai Natal e que afinal, fazia sentido toda aquela roupa (só a cor é que não, preferia verde…)

Eu passei a amar o Natal, a viver o Natal com alegria, cada pormenor, cada tradição, as decorações, as luzes… Então vieram as meninas e ainda mais sentido fazia…montar a árvore com elas, tirar as fotografias, fazer bolachinhas para o Pai Natal, colocar na lareira um pote com bolachas e um copo de leite, e ver, de manhã, a carinha de espanto delas quando encontravam migalhas e a caneca de leite vazia.

As prendinhas na árvore, as luzinhas a piscar, o advento que trazia todos os dias uma tarefa engraçada: comer a sobremesa em baixo da mesa, fazer um postal de Natal, sair para comer um gelado (no frio) …FAMÍLIA…

Embora nunca tenha tido a minha família aqui no Natal sempre me senti acolhida pela família do Miki, e desde que minha sogra é uma estrelinha coube a mim a herança de decorar a mesa onde fazemos a refeição – estamos sempre com o meu sogro – melhor parte do Natal para mim!… é onde me sinto parte de algo, parte da tribo, só mesmo quem está desconectado no mundo como eu saberá do que estou a falar.

Neste 25 de dezembro de 2022 conto 17 anos que cá estou a viver…costumo lembrar sozinha…só eu sei o quanto doeu sair da minha terra, arrancando as minhas raízes, a força, na marra, na garra, com determinação e coragem – olhando os olhares tristes da minha família ficando cada vez mais pequenos para trás…as lágrimas que teimavam em cair mal permitiam que eu enxergasse algo a minha frente…foi comovente, arrebatador, um parto…mas dentro de mim tinha a certeza absoluta da história de amor que eu queria para mim, e esta estava acabando de começar a ser escrita.

O Natal de 2022 me transportou à infância pelo desgaste emocional e psicológico que sofri durante todo o mês de dezembro… ficará marcado para sempre na minha memória como um Natal Roubado…tal como aquele da infância, que jamais conseguirei apagar… No meio de uma azáfama de um trabalho totalmente desgastante, vi de perto sentimentos que nunca, jamais pensei sequer existirem… hostilidade, inveja, incompreensão, falta de compaixão, impaciência, maldade, má fé…vi, ouvi, senti com todos os meus sentidos…o outro lado de um Natal que realmente eu desconhecia por completo aqui, foi um desgaste emocional de tal tamanho que perdi a noção da realidade e de mim mesma.

Por onde anda a empatia das pessoas? A humildade? A compaixão? A solidariedade?

Liguei o automático, fui leal à empresa até o último minuto, sangrando por dentro, mas no meu limite…

O meu 25 de dezembro deste ano foi passado sozinha, aquela carioca, na praia, não de Ipanema, na Costa Nova…vento, frio, chuva…dia nublado…Totalmente desconectada do mundo, do Universo, desraizada, a contemplar o outro lado do Oceano, a imaginar tantas coisas que nem sei…uma catarse.

Talvez meu pai tenha lido vezes a mais Alice no país das Maravilhas para mim, e com isso tenha tatuado algures no meu cérebro a frase que mais me identifica e me faz sentido, praticamente um hino:

“O segredo, Alice, é rodear-se de pessoas que te façam sorrir…só então estarás no País das maravilhas…”

Tive saudade dele…me senti sozinha…me senti órfã…

E é assim, falando de um Natal roubado, de uma tristeza profunda que já não consigo mudar, só digerir e gerir com o Drº Gui, que sigo falando de AMOR…Não ESCOLHI o Miki por acaso, para ser este senhor distinto, cabelos brancos, bem penteados, sentado ao meu lado nesta poltrona ao lado na velhice…ele me faz sorrir, todos os dias, me mostra todos os dias o País das Maravilhas, ele esteve ao meu lado o tempo todo, ele me deu o ombro dele quando eu chorei, apoiou-me, protegeu-me, lutou como leão defende a cria, pôs a mão na massa, fez aquilo que nem sabia fazer, fez como pôde, mas esteve sempre ao meu lado…nunca me largou durante todos estes dias de dezembro.

Mas mesmo assim eu não disse Feliz Natal a ninguém…ainda não sei explicar bem, mas tenho mais de 700 mensagens por abrir, desculpem 😦

A ti Purpurina, e a todas as pessoas que vivem no meu coração que, tal como a minha menina, ficaram sem resposta…Perdão…Empatia…Compaixão…Eu não fiz por mal….

Agradeço principalmente a esta mãe que me tirou desta mesmal, logo no primeiro dia de aulas…dentro deste meu Casulo, deste meu Lugar Feliz -o abraço delas se fez sentir…algo estava errado de fato…eu precisava fazer as pazes comigo mesma.

Vera! Eu tenho prendas para ti, mas tu não lias as nossas mensagens!

Disse a minha Pequena Purpurina…

Lágrimas gordas desceram cara abaixo…na minha frente estava o essencial…

E para ti, Pequena Purpurina, e para quem mais como tu moram aqui, nesta parte quentinha e confortável do meu coração, a quem peço mil desculpas por vos ter deixado sem resposta neste Natal…perdoem-me…e por favor, ajudem-me a resgatar o Natal em 2023.

Deixo aqui a resposta que dei à minha pequena Purpurina e a sua mãe, estendo às pessoas especiais que sentiram saudade de mim neste Natal.

Querida ‘mãe’, querida Purpurina… Realmente agora que ‘leio’ o vosso amor aqui estampado na minha cara, arrancado de mim por uma fase menos boa da minha vida, constato que ainda não aprendi a dar prioridade ao que realmente importa na minha vida …😔 Estive, e ainda estou, em sofrimento, mas me fecho na minha concha e me impeço de ler estas coisas lindas que me aquecem o coração…parece sabotagem…mas é proteção. Não é mesmo fácil estar, e me sentir sozinha num país que não é o meu quando preciso tanto de se ser protegida e acalentada…não ter colo para uma pessoa que dá tanto de si como eu não é mesmo nada fácil….ainda bem que o Universo vai tratando de colocar pessoas certas nos lugares certos pelos meus caminhos…por isso e por muito mais agradeço a vossa ternura e o vosso amor genuíno que é recíproco. Obrigada por alegrarem o meu mundo com os vossos sorrisos largos e os vossos corações generosos….vocês são pessoas especiais, deveriam ser guardadas num potinho para nunca nunca se perder a fórmula….

Feliz Natal!

Feliz ano novo!

Feliz vida!

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